sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sobre tarifas e empresas

Manifestantes organizam protesto contra aumento de tarifa em SP

Antes de qualquer coisa, votei no Haddad. Mais do que isso, gosto de sua figura e concordo com boa parte de sua visão política para a cidade de São Paulo. Não só, desde que a campanha começou, sei de dois fatos que nunca mudaram minha opção: a excessiva proximidade com as empresas de construção civil e o aumento da passagem de ônibus. Desde o começo da corrida eleitoral, estava claro para mim que estes seriam dois dos pontos mais problemáticos da gestão.
Por isso me irrita um pouco esta postura de grupos à esquerda “surpresos” com o aumento da passagem. Acho muita má-fé frases como “Haddad chegou chegando”. Quem se alfabetizou e leu umas três notícias sobre o assunto, sabia que a passagem aumentaria.
Feitas estas ressalvas, vamos ao que interessa.
Um dos mais legítimos movimentos urbanos do país é o Movimento Passe Livre (MPL). Sua pauta , além de economicamente eficiente e socialmente justa, traduz o mínimo ético que se pode esperar de uma vida em sociedade: o respeito ao direito de ir e vir.
Ao longo da história da humanidade, garantir o ir e vir foi (e é) um de nossos maiores desafios. No campo “físico”, acho que é de Hobsbawm a constatação de que um dos maiores inventos do séc. XX foi a bicicleta. Ela foi o primeiro instrumento acessível para o trabalhador vencer grandes distâncias. No campo da “política”, garantir o direito de ir e vir transcendeu a lógica liberal para se tornar uma das maiores ferramentas de manifestação política: as manifestações são fundamentais para conseguirmos mais direitos e protestar contra a opressão de regimes autoritários. Ainda, no campo da “ética”, garantir o livre acesso de seres humanos a qualquer lugar de seu interesse é uma das melhores demonstrações de como viver racionalmente em sociedade.
Assim, tarifar o ir e vir deve ser uma contingência, não uma regra. Ou seja: caso seja impossível um transporte público gratuito, a tarifa deve ser a menor possível. Sempre.
A questão é que termos como “menor possível” sempre são justificativas de pais e governos austeros. Definir o “mínimo razoável” para o transporte público pode comportar qualquer coisa. Por isso, o melhor talvez seja comparar o que se ganha com o que se gasta.
Sendo bem raso, caso você ganhe um salário mínimo (R$ 678,00) você vai gastar – só para ir ao trabalho – 20,7% da sua renda (R$ 140,80 – 22 dias trabalhados por mês). Isso se você usar só uma passagem de ônibus, que não ocorre em boa parte dos casos.
Lembrando que se recomenda que seja gasto com moradia algo em torno dos 30% do seu orçamento com MORADIA e HABITAÇÃO, não precisamos fazer muitas sinapses para entender que gastar 20% do orçamento pessoal com transporte é um absurdo (note que esta porcentagem em SP é bem maior).
Por isso, é inadmissível ter na cidade um modelo de transporte público com R$ 3,20 por passagem. Com ou sem bilhete único, não é possível pensar em democratizar o acesso à cidade com esse valor.
Este é o motivo que legitima todos os atos dos protestos de ontem. É óbvio que sou contra excessos e depredação. Mas sob nenhuma hipótese a destruição do patrimônio público pode inviabilizar a discussão sobre o acesso ao transporte – e por consequência, à cidade.
Isso porque o maior beneficiado neste aumento não é o Município. Na verdade, esta operação de aumento de passagem está tapando um buraco orçamentário: hoje (sempre, na verdade), o transporte público dá prejuízo à prefeitura, que paga a defasagem com dinheiro público.
E esta é a discussão a ser feita. O preço da passagem é alto porque o modelo de pagamento às empresas está errado. Seja por lucro excessivo, ineficiência da prefeitura (ou do sistema), ou pela falta de complementação de dinheiro de impostos, o modelo de pagamento parece estar errado. E a razão é óbvia: a passagem é cara demais.
Aliás, o DIEESE publicou estudo que de 1997 a 2006, a passagem de ônibus subiu 150%, contra uma inflação de 94,67%. Isso significa que as empresas embolsaram um aumento de 55,33% no faturamento em 10 anos. Talvez o tráfico de órgãos esteja no mesmo patamar. E que fique claro que para verificar o lucro das empresas, além de descontar seus custos (reparos e compra de carros, p. ex.), é bom incluir o aumento de passageiros. Não achei os dados deste ano, mas sei que se o aumento da passagem acompanhasse a inflação, a tarifa seria metade do que é.
Acho natural que existam protestos. Espero inclusive que eles se ampliem e foquem também nos empresários do setor. Eles também têm escritório com endereço fixo. E óbvio: não se pode deixar de protestar contra o Estado, responsável em última instância pelo sistema.
Só espero que a prefeitura e o governo estadual sejam sensatos e pensem em alternativas. Ao prefeito, sugiro que não queira imitar nosso ex-presidente, que optou por não comprar nenhuma briga com a elite econômica. No caso da cidade, o buraco é mais embaixo, e os protestos, logo ali na Paulista.

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